Círculo de acolhimento:
Arteterapia no resgate de histórias, identidades e vidas.
A Associação de Arteterapia do Rio de Janeiro abre a segunda edição de atividades de voluntariado arteterapêutico para atendimento de público vulnerável e excluído ou mesmo invisível do sistema de atendimento convencional.
O Círculo de Acolhimento tem a proposta de levar a Arteterapia em situações humanitárias desafiadoras e se caracteriza como uma ação de responsabilidade social e solidária. Uma iniciativa de cidadania importante, urgente e necessária.
É um projeto de mobilização de arteterapeutas associados e voluntários, com treinamento específico e supervisão continuada que oferece vínculo, acolhimento e atividades arteterapêuticas a um público determinado.
O público a ser atendido nesta segunda edição será a numerosa população em situação de rua, que vem aumentando consideravelmente, de acordo com dados do último censo realizado pela Prefeitura do Rio de Janeiro. Em 2022, a contagem e perfil dessa população registra mais de 7.000 (sete mil) pessoas em situação de rua, sendo 80% que vivem nas ruas e apenas 20% em instituições. Este censo serve como base de estudo para a criação e qualificação de políticas públicas.
Desde o início deste ano (fevereiro/2023) a AARJ vem trabalhando, pesquisando e planejando estratégias eficientes para este novo ciclo, com a oportunidade de cumprir com responsabilidades sociais, disponibilizando nosso ofício, estudos e saberes, tempo e criatividade a serviço dessas pessoas em situação de rua.
O primeiro contato foi feito com o CNAR-consultório de rua, do Posto de Saúde Hélio Pellegrino. Fomos convidadas a participar da reunião de equipe multiprofissional, para apresentação e esclarecimentos da proposta oferecida. Além de interessados e gratos, todos ficaram curiosos com o trabalho a ser realizado. Sugerimos um novo encontro para atividades de experimentação pela equipe de profissionais que cuidam diretamente desse público em situação de rua. Realizamos oficina de colagem e pintura, com adesão de profissionais: assistente social, psicólogo, enfermeiro e médico. A partir daí, planejamos e organizamos datas, horários e local adequado para a realização do trabalho, além de começar a formação da equipe de voluntários.
Iniciado o processo, a proposta e as possibilidades de atuação foram aumentando. Tivemos a indicação de mais um local de abrigo de mulheres na mesma situação, com o qual fizemos contato e novamente, fomos super bem recebidas, com muito interesse e muita necessidade.
Nesse Hotel de Acolhimento para mulheres Cis e Trans – Albergue Dercy Gonçalves, na Tijuca, fizemos nova reunião, visitamos o local e identificamos mais possibilidades. As atividades voluntárias regulares, poderiam trazer alternativas arteterapêuticas de autoconhecimento, fortalecimento e autonomia e ainda promover a alteração da rotina, antecipando o horário de retorno e tirando as mulheres da rua mais cedo, tendo em vista que passam o dia ociosas.
A interação com essa rede de apoio, gerou mais uma indicação de Albergue, agora no Rio Comprido, uma URS (Unidade de Reinserção Social) Irmã Dulce, que também acolhe mulheres em situação de extrema vulnerabilidade social. Ali fomos recebidas pela diretora que também é arteterapeuta e se encantou com a proposta e a possibilidade de ter atividade tão importante e necessária para as mulheres da casa.
As conexões geradas foram se ampliando e a rede ainda nos indicou outro local, carente de atividades fortalecedoras. Fomos a mais uma reunião, agora no CREAS Stella Maris, na Ilha do Governador, com a responsável pela Central de Recepção, que recebeu a proposta do projeto de braços abertos. Um local enorme acolhendo adultos, famílias e idosos, cada grupo no seu espaço próprio. Ali encontramos 160 homens no pátio, onde passam o dia praticamente ociosos e por tudo que conversamos, saímos acreditando que ali seria um lugar de contar e ouvir histórias, de fazer arte, poder se expressar, criar. Saímos cheias de ideias, de novas propostas e possibilidades. Sempre planejando algo novo.
E assim foram os primeiros passos de um trabalho que deve seguir por uma longa e intensa caminhada de cuidados e oportunidades, oferecendo arte como expressão, como possibilidade de encontro e reencontro, de resgate de histórias, de memórias, de identidades e de vidas.
O trabalho do Ciclo de Acolhimento oferecido por arteterapeutas voluntários da AARJ cuidando da população em situação de rua ou de extrema exclusão e vulnerabilidade, é mais do que um trabalho terapêutico, é uma ação de responsabilidade social, de cidadania, de respeito e valorização do ser humano e acima de tudo de solidariedade. Uma proposta de contribuir para um mundo melhor, menos desigual. Dando atenção e voz a uma população fortemente invisibilizada e super carente.
VERA DE FREITAS GUIMARÃES – Arteterapeuta (809/0717), Advogada, Curso de Formação Clínica e Pós-Graduação em Arteterapia/POMAR, Especialista em Envelhecimento Ativo Subjetividade e Arte. Membro da equipe docente da Clínica Pomar. Diretora Administrativa da AARJ. Professora de Artes do Instituto Zeca Pagodinho (desde 2011) e Diretora do Espaço Cultural Venha Conosco (desde 2012).