Nossos corpos contam histórias

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Nossos corpos contam histórias

(por Angela Philippini)

Vesti azul

minha sorte então mudou…

(Nonato Buzar)

Roupas contam histórias, corpos contam histórias… Roupas vestindo corpos apresentam narrativas, roteiros, intenções e opções. No contexto arteterapêutico, roupas podem expressar aspectos criativos, resiliência, autonomia, aspectos culturais específicos, transgressões, interdições, experimentações e inovações. No campo de conhecimento transdisciplinar da Arteterapia, são possíveis muitas interações e confluências, integrando diversas formas de comunicação como: teatro, dança, contação de histórias, modalidades plásticas variadas e múltiplas possibilidades expressivas. Assim é natural, produtivo e desafiador, o encontro entre estratégias arteterapêuticas e ações criativas do amplo com texto de produção criativa, chamado de forma genérica de moda …        

A partir de uma experiencia bem sucedida da arteterapeuta Milse Ramalho, que também é atriz e modelo, um grupo de mulheres moradoras em comunidades periféricas, com poucos recursos socio econômicos, experimentou no contexto de atividades arteterapêuticas diversas a possibilidade de produzirem roupas e adereços, com ênfase no auto cuidado e na construção de uma auto imagem positiva. Vale ressaltar que muitas participantes deste grupo, tinham uma experiência básica de produzir e transformar roupas, seja no âmbito caseiro, seja em oficinas de costura profissionais. Além desta prática na vida cotidiana, traziam memórias afetivas sobre estes fazeres, de suas mães, tias, madrinhas, avós, ancestrais diversas produzindo adereços, costurando, bordando e/ou tecendo. Assim, este universo de ações criativas que contribuem na construção de produtos relacionados ao vestuário, estratégias do que   genericamente é chamado moda tambémpermeiam a vida destas mulheres. No entanto, vítimas que são de preconceitos e segregações diversas, não tem seus fazeres qualificados e reconhecidos como produtoras de moda. E tão pouco seus corpos reais, sofridos, cansados, eventualmente atingidos pela violência doméstica e formas diversas de agravos, incluindo escassez alimentar, não são considerados   adequados para vestir e mostrar o que, com habilidade e criatividade, produziram com as próprias mãos para o mercado de vestimentas.

O trabalho arteterapêutico, no acompanhamento de percursos de individuação, tem entendimento diverso do que poderá ser habitualmente chamado moda.  Assim inegavelmente será moda neste Temenos (1), espaço reservado para o diálogo interno, o fortalecimento emocional e a expansão da criatividade, incluindo tudo o que corpos em movimento vestirem e desvestirem, já que as roupas contam sobre histórias, expressam escolhas e apresentam de forma concreta, estratégias para serem vistas e acolhidas. A materialidade dos tecidos, linhas e contas, o apelo simbólico de cores, estamparias e formas de cada peça usada, será criação, auto afirmação, autonomia, auto imagem e liberdade.  Pois que venham as celebrações e reconhecimento   aos corpos reais e possíveis, corpos narra-dores, sensíveis, desejantes e resilientes.

Na abrangência de transformações possíveis, a partir de grupos arteterapêutico, se faz não só a moda da casa, mas cada integrante pode fortalecer sua própria identidade, produzir e informar:  “Isto é a minha Moda“.  E voltando a mulheres ancestrais e seus fazeres vale lembrar Chanel (2) que ensinava:

“Todo dia é dia de desfile de moda.

O mundo é uma passarela…”

(1) Temenos – A palavra “temenos” deriva do grego “temnein” que significa cortar ou separar. Assim Temenos é um espaço que foi separado do mundo profano e consagrado para atividades religiosas.  Jung utiliza a palavra Temenos em sua obra, para se referir a um espaço sagrado onde é possível o diálogo com o inconsciente e a compreensão do processo de individuação.

(2)  Gabrielle Bonheur Chanel (COCO CHANEL) revolucionou a moda feminina, com inovações nunca esquecidas. Como seu trabalho iniciado em 1910 como uma costureira com poucos recursos financeiros. Suas criações contribuíram para movimentos de emancipação feminina, pois defendia a ideia de roupas práticas e confortáveis. Seu trabalho extrapolou os limites da indústria da moda, influenciando também a cultura contemporânea.

  • Angela Philippini é Arteterapeuta, Diretora Acadêmica da AARJ, Psicóloga, Especialista em Gerontologia pela SBGG, Mestre em Criatividade pela Universidade de Santiago de Compostela Espanha, Dra. em Ecologia social, Eicos-UFRJ.