Arteterapia, Sustentabilidade e Redes Colaborativas

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Arteterapia, Sustentabilidade e Redes Colaborativas

André Lobão

Bacharel em Comunicação Social. Especialista em Gestão Cultural.

Arteterapeuta e Consultor em Economia Criativa.

Vivemos uma crise coletiva em nossa relação com o trabalho? Considerando que o trabalho é uma das expressões da criatividade e está relacionado diretamente com a nossa capacidade de produzir e realizar, talvez seja importante questionarmos o que fizemos com o nosso processo produtivo. Para isso vale ressaltar o modelo de produção do mercado capitalista como um lugar de acumulação que, muitas vezes, passa pela expropriação e exploração, criando uma jornada de competição, luta e escassez, nos deixando cada vez mais distantes do espírito da intimidade, fundamental para manutenção dos laços afetivos e comunitários na relação com o trabalho.

O trabalho pode ser compreendido como um esforço para movimentar as forças do mundo que habitam em nós para produzir a continuidade da existência, ao mesmo tempo coletiva e individual. Este esforço, é já uma interação, e não mera intervenção ou utilização, como a natureza que é viva e dotada de consciência. Portanto, também com a natureza a relação é intersubjetiva. Cuidamos da natureza e, em troca, ela nos nutre. Desse modo, o trabalho pode ser visto como uma forma de cuidado mútuo.

As transformações nas formas de produção, consumo e convivência social nas sociedades modernas têm no conhecimento e na criatividade sua base dinamizadora. Por isso, atributos de conhecimento e criatividade constituem fator de altíssima relevância no desenvolvimento social, econômico e político de um país. Para que esta transição global que vivemos seja oportunidade e não crise, necessitamos uma visão de futuro que aponte para onde queremos ir. E depois concretizar os futuros desejados através de economias exponenciais. E isso tudo compreendido e trabalhado de forma sistêmica e em constante evolução, percebido como processo dinâmico e não produto estático. Ou seja, em fluxo!

Os novos termos econômicos herdados pela Economia Criativa têm em comum a maior percepção de valor de intangíveis sobre tangíveis, a grande ocupação de pessoas, tanto em postos de trabalho como entretenimento, as inovações nas relações de trabalho e pela expansão à medida que a tecnologia se populariza. As múltiplas economias compreendem o valor do conhecimento, da experiência, da cultura, da criatividade, da colaboração e da confiança como capitais subjetivos que podem trazer abundância e sustentabilidade se sairmos de um modelo linear de competição, para um modelo exponencial de cuidar.

Está inserido na Economia Criativa tudo aquilo que tenha experiência como matéria prima (artes, entretenimentos, turismo, celebrações). Tudo o que depende de conhecimento, como as atividades de educação, consultoria, pesquisa. Também aquilo que está ligado ao sempre crescente campo das atividades ligadas ao Cuidar, como vida comunitária, gestão, saúde, ócio e lazer, urbanismo. A predominância de serviços na Economia Criativa favorece as práticas colaborativas e outras trocas intangíveis, muitas vezes incalculáveis em ganhos sociais, ambientais, urbanos, culturais ou éticos.

Práticas exitosas são também aquelas onde há uma atuação multidimensional. Enxergar fluxos em várias dimensões é uma forma de trabalho integrado e sistêmico, percebendo as relações entre as dimensões que compõem a vida. E a partir daí reconhecer recursos para viabilizar projetos; alcançar resultados que não sejam apenas quantitativos; fazer diagnósticos, atribuir valor real e orientar a tomada de decisão de forma colaborativa, compreender a complexidade da cultura, entender o conceito de desenvolvimento sob um prisma cultural, político e socioeconômico e engajar outros setores como promotores de responsabilidade social e ambiental no desenvolvimento de produtos e serviços sustentáveis.

Para o campo da Arteterapia, que tem a criatividade como seu principal atributo de trabalho, ampliar a percepção sobre a diversidade de pessoas, territórios, culturas, formas de organização e trabalho é fundamental para que se possa promover um processo produtivo inclusivo, solidário e alinhado com as perspectivas de um futuro em rede, considerando que desde tempos imemoriais as manifestações artísticas são o documentário psíquico da coletividade e simultaneamente as representações da singularidade dos indivíduos, consideradas como reveladoras, transformadoras e colaboradoras na construção de seres mais criativos e saudáveis.

Considerando os contextos que vivemos atualmente, é necessário compreender e ensinar como exercer a cidadania, aprender a defender a democracia, como manter nossas famílias em suas diversas formas, e cuidar do meio ambiente, crescer profissionalmente e defender nossos direitos, compreendendo o desenvolvimento como um fenômeno social total, que abarca diversas dimensões da vida, como a política, a economia, a cultura e a relação entre as pessoas e o restante da vida no planeta.

A nossa experiência histórica demonstra que é impossível refletir sobre o país sem pensar na dimensão simbólica de nosso povo, em suas identidades e em seu imenso potencial criativo. É mais impossível, ainda, transformá-lo sem disputar valores, visões de mundo e sem desenvolver uma nova sensibilidade e uma nova consciência coletiva, com a promoção dos valores básicos de uma cultura cidadã, de diversidade, de valorização da ciência, da ação coletiva e da não-violência.

Dessa forma, é importante compreender a necessidade de que o profissional de Arteterapia, como mediador de sentidos e afetos, deve estar alinhado as agendas globais de desenvolvimento sustentável no âmbito individual e coletivo, capaz de promover um processo de trabalho inclusivo e em rede, com visão ampliada da diversidade de pessoas e territórios, com consciência dos aspectos que fundamentam os complexos culturais da nossa brasilidade como fatores expressivos para formação do nosso modelo civilizatório e seus impactos na formação cidadã, na saúde e no bem-estar da nossa população.