Por Rosâne Mello
O ser humano é curioso por natureza! Muitas vezes nos pegamos perguntando como uma determinada máquina funciona, como os aviões desafiam as leis da gravidade ou como evitar uma doença. Nada mais interessante que ficar ao lado de uma criança e ver seu espanto ao observar a chuva que cai do céu, o surgimento das flores ou as cores de uma borboleta.
A curiosidade e a busca pelo conhecimento são inerentes ao ser humano. Se olharmos na história da humanidade, mais especificamente na mitologia greco-romana, encontraremos episódios de disputa entre titãs para doar ou não aos humanos o poder do conhecimento. Nesse sentido, podemos dar uma olhada no mito do Prometeu que rouba o fogo dos deuses e entrega à humanidade. Prometeu paga caro por isso, mas no final da história tudo dá certo!
Então, não há como negar que o ser humano sempre buscou entender o mundo onde vivia e sempre olhou muito além dele. Desde sempre olhamos as estrelas e tentamos entender como tudo começou e como tudo pode acabar.
Existem vários modos de fazer pesquisa, mas quando pensamos em pesquisa científica, logo vêm à mente uma pessoa sozinha cercada por microscópios, tubos e máquinas estranhas. Tal imagem se relaciona com o conceito de pesquisa cartesiana, do século XVII, que está bem afastado dos paradigmas que norteiam a Arteterapia.
O método que é entendido como adequado para uma época pode ser considerado inadequado para outra, tendo como parâmetros o teórico e a abordagem escolhidos para nortear o estudo. Um teórico muito importante até os dias de hoje é René Descartes (1596 – 1650) que habitava dois lugares diferentes quando se fala de pesquisa, pois ele era filósofo e matemático. De um lado Descartes estava ligado à filosofia, com discussões infindáveis e reflexivas, do outro lado estava a matemática, que trazia resultados concretos e objetivos. Em um momento em que a pesquisa andava de mãos dadas com as questões religiosas, Descartes optou pela garantia quase inquestionável da matemática, cansou das discussões etéreas da filosofia e optou claramente pelos resultados encontrados através da pesquisa quantitativa. Nesse tipo de pesquisa, o importante é a quantificação dos resultados. A partir de seus estudos, a ciência se desenvolveu no século XVII de forma dura e através de números e se firmou ao longo dos séculos.
A pesquisa se dava, e ainda se dá, através da curiosidade despertada sobre algo, da observação do processo em que este objeto de interesse está inserido, de reflexões sobre esse processo, de dedicação profunda ao entendimento de fatores que influenciam essa situação específica, a classificação dos fenômenos e finalmente, a elaboração das conclusões. Podemos pensar que fazer pesquisa é algo impossível para seres humanos comuns, mas não é! Fazemos pesquisa diariamente, mas não nos damos conta disso. Por exemplo, uma pessoa resolve ser tutor de um felino e resolve fazer isso de forma responsável. Antes de tudo, busca entender quais são os benefícios e as responsabilidades em adotar um felino, compreender como, em geral, um felino se comporta. Descobre que os gatos precisam de cuidado cotidiano, de um ambiente que o proteja, que ficam doentes, que crescem, envelhecem e morrem, urinam, evacuam e tem vontade própria. Teoricamente os prós e contras seriam avaliados e chegariam à conclusão se devem ou não adotar um felino.
Mas, a vida não é tão linear assim, não é mesmo? Existem questões que vão além dos fatores racionais! Não quero dizer que a racionalidade e a quantificação de algo não seja importante, mas somos seres complexos e multifacetados para olhar o mundo de uma maneira apenas. E a partir dessa compreensão as maneiras de fazer pesquisa precisaram tomaram rumos diferentes daqueles adotados por Descartes.
Nesse sentido, fazer pesquisa vai além do espaço confinado de um laboratório. Não há como acontecer uma associação entre a pesquisa cartesiana nos moldes tradicionais com os processos delicados e subjetivos do setting arteterapêutico. Mas será possível desenvolver pesquisas científicas atualmente no contexto da Arteterapia?
No início do século XX, graças a Antropologia, em especial a Malinowski, fazer ciência tomou rumos humanista e se debruçou nos acontecimentos que permeavam a vida. O pesquisar se ampliou para o cotidiano da existência, das relações e das emoções e, definitivamente, os números não dão conta sozinhos de explicar questões tão subjetivas.
A partir daí, tornou-se possível pesquisar os processos arteterapêuticos, descrever as respostas aos materiais utilizados e até mesmo contabilizar a eficácia da Arteterapia. As questões que podem mover um Arteterapeuta a fazer pesquisa científica são infinitos, mas ele precisa ser tocado pela curiosidade em descobrir algo, ao gosto por estudar um tema naquele momento, a conhecer o que já está escrito sobre tal questão e tirar suas próprias conclusões.
E como iniciar uma pesquisa em Arteterapia?
Antes de qualquer coisa, precisamos ser curiosos quanto ao cuidar sistematicamente através da arte, explorar autores que tratem do assunto ou teóricos que fundamentem o fazer Arteterapia. A escolha de um teórico ou de teóricos que ajudem a compreender melhor a clínica é essencial, mas, vale ressaltar que o referencial teórico que serve para um profissional não necessariamente serve para outro. Então, busque algo que faça sentido para você, que ao ler aquele texto ocorra uma sintonia entre você e as palavras lidas, que você se pergunte como aquele autor escreveu algo tão próximo do que você vive e vivencia em seu setting terapêutico. A teoria precisa fazer sentido para você, esclarecer coisas, gerar maior compreensão, produzir reflexões e te ajudar a chegar a conclusões.
Uma outra coisa interessante para quem quer fazer pesquisa é desenvolver o hábito de escrever rotineiramente sobre os atendimentos realizados, utilizar padrões ao descrever o método utilizado e resultados alcançados. Faz-se necessário que você utilize padrões para descrever seus atendimentos e isso não é uma novidade para os profissionais, ao longo da graduação somos orientados a fazer isso, independentemente da formação de base do Arteterapeuta. Caso não se recorde ou queira aprimorar suas anotações, busque textos que falem disso e, a partir de sua prática, você desenvolverá um padrão próprio, adequado para sua clientela, para a instituição onde trabalha e que ajudará na condução do atendimento.
Com o tempo observará padrões e diferenças, conseguirá identificar o melhor material para cada situação, a melhor condução para cada cliente e até mesmo antever os rumos de uma situação. Mas, isso, provavelmente você já faz! Então como produzir evidências científicas? Transforme suas observações em dados, tendo como base uma abordagem científica. Assim, poderá provar para o mundo o que já sabemos, ou seja, a arteterapia é eficaz, traz benefício para quem é cuidado através dela e, acima de tudo, possibilita a compreensão de quem somos e para onde gostaríamos de ir.
Rosâne Mello – Enfermeira (UFRJ), Mestre em Enfermagem (UFRJ), Doutora em Enfermagem e Psiquiatria (USP), Arteterapeuta (POMAR), Aromaterapeuta (Aroma de Flor). Professora Associada da Escola de Enfermagem Alfredo Pinto\UNIRIO. Membra dos Grupos de Pesquisa Núcleo de Estudos em Gênero, Direitos Sexuais e Reprodutivos e A Enfermagem e Saúde da População. Orientadora da Liga Acadêmica de Atenção em Saúde Mental da Escola de Enfermagem Alfredo Pinto-UNIRIO (LAASM\UNIRIO). Pós-graduanda do curso de Psicologia Junguiana (Universidade Estácio de Sá)