UMA JORNADA ARTETERAPÊUTICA PARA NOVOS TEMPOS

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UMA JORNADA ARTETERAPÊUTICA PARA NOVOS TEMPOS
por Angela Philippini


“Tudo aquilo que aconteceu ontem, desapareceu ontem.
Hoje é preciso dizer coisas novas…”
Rumi


Era uma vez um grupo de quinze arteterapeutas que em fevereiro de 1998 decidiu reunir-se para criar a primeira associação profissional de Arteterapia no Brasil. Os primeiros tempos foram árduos, trabalhosos e complexos, pois era necessário estabelecer programas para os novos cursos, fazer intercâmbio com outras instituições fora do Brasil para definir disciplinas, metodologia e formas de treinamento, promovendo o aperfeiçoamento da práxis arteterapêutica. Para fortalecer essa caminhada foram organizados congressos nacionais e internacionais, em 2005 aconteceu o primeiro Encontro de Arteterapeutas do Merco Sul, em 2015 o Encontro Luso Brasileiro de Arteterapia, em 2017 o quinto Congresso Latino Americano de Arteterapia com o tema Multiculturalismo: Desafios e Possibilidades, organizado no Rio de Janeiro, pela AARJ, certamente um marco da maturidade profissional alcançada a partir de múltiplas realizações que foram geradas, sustentadas e ampliadas por continuas construções coletivas. Atualmente a AARJ, é a associação profissional no Brasil que reúne o maior número de arteterapeutas registrados, com um significativo quantitativo de cursos que atendem aos parâmetros curriculares definidos para o treinamento em território nacional, devidamente cadastrados e reavaliados acada três anos. Ao longo desse percurso temporal de 23 anos essa Associação tem estabelecido parcerias bem-sucedidas, como o ciclo de palestras em cooperação com a Editora Paulus, que durante quatro anos consecutivos compartilhou temas do universo arteterapêutico, para promover a difusão da Arteterapia para a comunidade em geral.

Nesse contexto de somar esforços, promovendo fortalecimento e difusão compartilhada, implementou uma parceria com a Casa das Palmeiras, realizando palestras e oficinas, ativando interfaces entre o trabalho arteterapêutico e a abordagem “A emoção do lidar” criada pela Dr.ª Nise da Silveira ,a quem os arteterapeutas tanto tem a agradecer pela inspiração e eexemplo de integridade profissional, pelo legado das sólidas construções teóricas, pela efetiva inserção da arte no contexto clínico, pela ampla e sólida construção de conceitos sobre o benefício da prática artística na promoção de saúde mental, o que tanto fortalece e valida nossa prática. Foram também realizados trabalhos arteterapêuticos de intervenção urbana, através de ocupação dos jardins do Museu da República, com oficinas de arteterapia para públicos diversos, com múltiplos temas expressivos e plásticos, como histórias e experimentações criativas para cronologias diversas desde crianças até adultos. Enquanto simultaneamente aconteciam atividades práticas, ocorriam também palestras de esclarecimentos sobre diferentes campos de atuação em arteterapia no auditório do museu.

Em parceria com a Editora WAK foram publicados os Cadernos da AARJ, reunindo contribuições de arteterapeutas associados convidados para partilharem suas boas práticas e experiencias bem-sucedidas. Seguindo nessa trajetória de consolidação e divulgação do processo arteterapêutico e seus benefícios, a AARJ caminha agora com uma nova direção, esperançosa de que a arte siga sendo a bússola para o fortalecimento de caminhos criativos, saudáveis e inovadores. Assim, nessa nova fase, a AARJ está promovendo oportunidades de atualização sobre práticas arteterapêuticas on-line para seus associados, organizando grupos de trabalho para mapear evidencias científicas sobre a produtividade das práticas arteterapêuticas com diferentes públicos e quadros clínicos, incentivando relatos adequados, coletando dados de forma frequente e organizada, para gerar indicadores precisos da potencialidade da Arteterapia em promover, restaurar e manter a saúde, promovendo fortalecimento nas possibilidades de criação e comunicação, favorecendo o autoconhecimento e a transformação pessoal e coletiva.


Neste contexto vale lembrar de Franco Berardi, o filosofo que está desenvolvendo uma teoria sobre o enfrentamento e o desenvolvimento da resiliência no contexto pandêmico, através da proposta que sejam criadas estratégias de enfrentamento coletivo e comunitário para o novo tempo, chamado de “novo normal”, constituindo uma preparação efetiva para quando o período da “pós pandemia” chegar. Segundo Berardi, a saída saudável para resistir, readaptar-se e transformar o que venha a ser necessário, será poetizar a existência pessoal e coletiva, desenvolvendo estratégias criativas e inovadoras nas comunidades através da reunião e criação de redes de diversos praticantes de artes. Assim arteterapeutas, bem-vindas e bem-vindos a esses novos tempos. Certamente em nosso ofício temos plenas condições, de com muito êxito, poetizar nossa existência e de quem venhamos a acompanhar na grande aventura do viver. Para que esse projeto floresça, que se fortaleçam as redes deação e interlocução, e uma delas certamente será que arteterapeutas possam integrar-se aos esforços do SUS, junto às outras PICs (Práticas Integrativas e Complementares de Saúde) para cooperar na promoção de cuidado integral, através das unidades de Atenção Básica. Nunca será tarde para fazer valer o manifesto internacional de profissionais de saúde, realizado no Congresso Mundial na cidade de Alma Ata, em 1976, que pela primeira vez defendeu publicamente que sejam oferecidas formas suaves de tratar e que sejam respeitados, acolhidos e integrados os saberes tradicionais. Assim, que haja ateliês arteterapêuticos, núcleos criativos em escolas, atividades expressivas em empresas, prestação de serviços arteterapêuticos domiciliares, e que no tempo possível sejam feitas novas, potentes e prazerosas intervenções urbanas. Para tanto nos cabe a tarefa coletiva de persistir, pesquisar, aperfeiçoar e divulgar.

Seguimos. A construção de tempos novos só depende de nós, e de nossas novas maneiras de fazer, interagir e sonhar, pois estratégias para poetizar a existência individual e as interações coletivas é que não nos faltam.